terça-feira, 1 de outubro de 2013

Conto sobre Tusayan




"Alguém bate à porta do trailer nos últimos dias de abril daquele ano. Um dos moradores, envolvido em suas muitas expectativas e um pouco apreensivo, olha para os demais moradores como se precisasse confirmar que aquele fato parecia mesmo inesperado. O silêncio daquele momento... Decide abrir a porta.
Talvez seja esse, exatamente, o aspecto curioso sobre as portas, mencionadas metaforicamente ou não; por detrás delas haverá sempre alguma forma de revelação.
A figura revelada sob a luz externa na entrada era a de um homem, de baixa estatura, usando barba e bigode, vestido com roupas simples. Ele carregava em ambas as mãos baldes com produtos e equipamentos de limpeza. Começa a falar em língua estrangeira, cumprimentando e se identificando de forma sorridente e com aparência amigável.
Este mesmo morador que abriu a porta o cumprimenta de volta e contente, na mesma língua estrangeira, lhe convida para entrar e o apresenta aos demais moradores do trailer, que era ainda um ambiente estranho aos três amigos que ali passaram a morar.
Estes amigos haviam vindo de um lugar muito distante dali, e todo aquele novo cenário ainda lhes parecia mais um sonho do que realidade. Mas por quê teriam eles decidido abrir mão - mesmo que só por algum tempo, de suas vidas, da proximidade e do aconchego de suas famílias, amigos e de seus próprios lares?
Talvez não soubessem explicar racionalmente mas sentiam que precisavam estar ali e precisavam aproveitar aquele tempo da melhor maneira possível. Surgia um sentimento novo e todo um processo de mudança se iniciava em cada um deles.
O homem de baixa estatura identificou-se como o gerente da loja em que os amigos trabalhariam, ou seja, seria seu chefe. Trazia-lhes alguns primeiros utensílios para começarem a se organizar e a se ambientar nesta nova moradia - mesmo que não fosse exatamente uma casa, não nos mesmos padrões que as habitações tinham em seu país de origem.
Aquele seria o primeiro de muitos outros gestos de gentileza e cordialidade por parte daquele homem, até então, desconhecido. Logo, ele providenciou também uma bicicleta, que emprestou para um dos amigos se deslocarem até uma outra unidade da loja em que trabalharia por algum tempo, localizada no interior de um parque a cerca de dez quilômetros longe dali onde moravam.
O tempo foi passando, os amigos começaram a ter uma rotina de vida novamente, naquele país distante e ali permaneceram por seis meses, trabalhando e começando a descobrir como era o mundo do lado de fora de suas janelas e redescobrindo a si mesmos, o tempo todo.
Outra comida, outras formas de julgamento, outro clima, outro sistema de pesos e medidas, convivendo com pessoas de diversas outras nacionalidades, comunicando-se em idiomas distintos a tal ponto que, em alguns dias, chegavam a se esquecer completamente das palavras que haviam ouvido desde o nascimento.
Ouviram histórias, contaram as suas próprias, ficaram felizes, tristes, sozinhos... sorriram, ajudaram-se, uniram-se e viveram da forma mais intensa que podiam viver.
Todas as vezes que sentavam-se atrás daquela loja em que trabalhavam para momentos de intervalo e de descanso, olhavam para aquelas árvores na paisagem e ficavam imaginando o que poderia estar acontecendo no mundo que haviam deixado para trás.
Sentiam que mesmo ao retornarem pros seus mundos, seus olhos já não seriam mais os mesmos e levariam de volta prá casa novas percepções, novas lentes para enxergarem a vida e as mesmas pessoas que não sabiam de absolutamente nada do que eles haviam visto ou feito. Isso lhes parecia apavorante.
Mas dentre todas as experiências deste tempo, o que realmente ficaria impresso em cada um deles era esse sentimento de retribuição eterna por todos aquelas pessoas desconhecidas, em terras distantes, que lhes ajudaram quando mais precisaram, sem pedir nada em troca e em muitos momentos.
Desde o primeiro dia, ao abrir aquela porta, entenderam que seriam essas as conclusões que levariam consigo pro resto de seus dias, não importando o que quer que viesse a acontecer depois, mesmo que talvez nenhum dos fatos específicos deste período fosse importante para outras pessoas e talvez nem fizesse sentido para qualquer outro a não ser para eles mesmos.
Os destinos podem não ser os mesmos mas a escolha de viajar, descobrir o desconhecido, conhecer a si próprio, os seus limites, buscar sua própria essência... essa escolha é a forma mais pura de auto-estima, de se permitir olhar para dentro a partir do estranhamento externo. Tudo vai ficando cada vez mais claro e as respostas começam a surgir. E hoje, se reconstroem na mente as imagens dos coiotes correndo ao lado da bicicleta, do pôr do sol no horizonte do cânion dentro do parque, dos índios, dos americanos caubóis do oeste mascando fumo, dos cactos, do cheiro de terra molhada e a imagem que tenho de mim mesmo, sentado atrás daquela loja, numa rampa de madeira, do outro lado da cerca de tela com as pilhas de lenha". 

(Texto escrito em 14 de setembro de 2013,
por Jeferson Toledo Vechi)





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