"Alguém bate à porta do trailer nos últimos dias de abril daquele ano. Um dos moradores, envolvido em suas muitas expectativas e um pouco apreensivo, olha para os demais moradores como se precisasse confirmar que aquele fato parecia mesmo inesperado. O silêncio daquele momento... Decide abrir a porta.
Talvez
seja esse, exatamente, o aspecto curioso sobre as portas, mencionadas
metaforicamente ou não; por detrás delas haverá sempre alguma forma de
revelação.
A
figura revelada sob a luz externa na entrada era a de um homem, de baixa
estatura, usando barba e bigode, vestido com roupas simples. Ele carregava em
ambas as mãos baldes com produtos e equipamentos de limpeza. Começa a falar em
língua estrangeira, cumprimentando e se identificando de forma sorridente e com
aparência amigável.
Este
mesmo morador que abriu a porta o cumprimenta de volta e contente, na mesma
língua estrangeira, lhe convida para entrar e o apresenta aos demais moradores
do trailer, que era ainda um ambiente estranho aos três amigos que ali passaram
a morar.
Estes
amigos haviam vindo de um lugar muito distante dali, e todo aquele novo cenário
ainda lhes parecia mais um sonho do que realidade. Mas por quê teriam eles
decidido abrir mão - mesmo que só por algum tempo, de suas vidas, da
proximidade e do aconchego de suas famílias, amigos e de seus próprios lares?
Talvez
não soubessem explicar racionalmente mas sentiam que precisavam estar ali e
precisavam aproveitar aquele tempo da melhor maneira possível. Surgia um
sentimento novo e todo um processo de mudança se iniciava em cada um deles.
O
homem de baixa estatura identificou-se como o gerente da loja em que os amigos
trabalhariam, ou seja, seria seu chefe. Trazia-lhes alguns primeiros utensílios
para começarem a se organizar e a se ambientar nesta nova moradia - mesmo que
não fosse exatamente uma casa, não nos mesmos padrões que as habitações tinham
em seu país de origem.
Aquele
seria o primeiro de muitos outros gestos de gentileza e cordialidade por parte
daquele homem, até então, desconhecido. Logo, ele providenciou também uma
bicicleta, que emprestou para um dos amigos se deslocarem até uma outra unidade
da loja em que trabalharia por algum tempo, localizada no interior de um parque
a cerca de dez quilômetros longe dali onde moravam.
O
tempo foi passando, os amigos começaram a ter uma rotina de vida novamente,
naquele país distante e ali permaneceram por seis meses, trabalhando e
começando a descobrir como era o mundo do lado de fora de suas janelas e redescobrindo
a si mesmos, o tempo todo.
Outra
comida, outras formas de julgamento, outro clima, outro sistema de pesos e
medidas, convivendo com pessoas de diversas outras nacionalidades,
comunicando-se em idiomas distintos a tal ponto que, em alguns dias, chegavam a
se esquecer completamente das palavras que haviam ouvido desde o nascimento.
Ouviram
histórias, contaram as suas próprias, ficaram felizes, tristes, sozinhos... sorriram,
ajudaram-se, uniram-se e viveram da forma mais intensa que podiam viver.
Todas
as vezes que sentavam-se atrás daquela loja em que trabalhavam para momentos de
intervalo e de descanso, olhavam para aquelas árvores na paisagem e ficavam
imaginando o que poderia estar acontecendo no mundo que haviam deixado para
trás.
Sentiam
que mesmo ao retornarem pros seus mundos, seus olhos já não seriam mais os
mesmos e levariam de volta prá casa novas percepções, novas lentes para
enxergarem a vida e as mesmas pessoas que não sabiam de absolutamente nada do
que eles haviam visto ou feito. Isso lhes parecia apavorante.
Mas
dentre todas as experiências deste tempo, o que realmente ficaria impresso em
cada um deles era esse sentimento de retribuição eterna por todos aquelas
pessoas desconhecidas, em terras distantes, que lhes ajudaram quando mais
precisaram, sem pedir nada em troca e em muitos momentos.
Desde
o primeiro dia, ao abrir aquela porta, entenderam que seriam essas as conclusões
que levariam consigo pro resto de seus dias, não importando o que quer que
viesse a acontecer depois, mesmo que talvez nenhum dos fatos específicos deste
período fosse importante para outras pessoas e talvez nem fizesse sentido para
qualquer outro a não ser para eles mesmos.
Os
destinos podem não ser os mesmos mas a escolha de viajar, descobrir o
desconhecido, conhecer a si próprio, os seus limites, buscar sua própria
essência... essa escolha é a forma mais pura de auto-estima, de se permitir
olhar para dentro a partir do estranhamento externo. Tudo vai ficando cada vez
mais claro e as respostas começam a surgir. E
hoje, se reconstroem na mente as imagens dos coiotes correndo ao lado da
bicicleta, do pôr do sol no horizonte do cânion dentro do parque, dos índios,
dos americanos caubóis do oeste mascando fumo, dos cactos, do cheiro de terra
molhada e a imagem que tenho de mim mesmo, sentado atrás daquela loja, numa
rampa de madeira, do outro lado da cerca de tela com as pilhas de lenha".
(Texto escrito em 14 de setembro de 2013,
por Jeferson Toledo Vechi)
por Jeferson Toledo Vechi)
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